quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O PACIENTE NA PSICOTERAPIA DE GRUPO (Artigo disponível no Scielo)

Luiz Paulo de C. Bechelli1
Manoel Antônio dos Santos2
Bechelli LPC, Santos MA. "O paciente na psicoterapia de grupo". Rev Latino-am Enfermagem 2005 janeiro-fevereiro; 13(1):118-25.


O presente estudo examina o paciente na psicoterapia de grupo, abordando os fatores que lhe proporcionam mudança no decorrer do
processo e as especificidades desta modalidade terapêutica. Com base na literatura disponível e na experiência sistematizada dos autores ao longo
de trinta anos de clínica grupal, são discutidas as variáveis que determinam o engajamento dos integrantes do grupo em uma relação terapêutica
produtiva e bem-sucedida. Enfatiza-se a forma como o paciente assimila o processo psicoterápico e de que maneira participa no alcance de sua
própria melhora.

DESCRITORES: psicoterapia de grupo; psicoterapia; saúde mental

INTRODUÇÃO
Há 30 anos trabalhamos com psicoterapia de grupo. No
decorrer desse período procuramos desenvolver um arcabouço teórico
e sistematização dos procedimentos quanto à freqüência e duração
das sessões, número de participantes, grupo aberto ou fechado,
homogêneo ou heterogêneo, regras para manter a organização do
grupo(1-4). Em meados da década de 70 procuramos integrar as
abordagens psicodinâmica e comportamental(1) e no início dos anos
80, a associação de psicoterapia de grupo e individual(3). Mais
recentemente, no final dos anos 90, começamos a voltar nossa atenção
para o estudo do papel que o paciente desempenha no processo
psicoterápico grupal, inclusive como agente da própria mudança(5).
No presente estudo, é apresentado o modo como o paciente
se desenvolve na psicoterapia de grupo, os fatores que lhe
proporcionam mudança e as especificidades desta modalidade
terapêutica. São discutidas as variáveis que determinam o engajamento
dos integrantes do grupo em uma relação terapêutica produtiva e bemsucedida.
Enfatiza-se a forma como o paciente assimila o processo
psicoterápico e de que maneira participa no alcance de sua própria
melhora.

AS PRIMEIRAS SESSÕES E DESENVOLVIMENTO DA
PSICOTERAPIA DE GRUPO

Os clientes, sentados em círculo, na presença do terapeuta,
apresentam-se pelo nome ou apelido pelo qual preferem ser chamados
e as regras da terapia são apresentadas. A seguir, sem ser colocado
explicitamente, no decorrer do silêncio, os participantes são convidados
a expor em palavras e discutir suas preocupações. O clima criado pela
situação psicoterápica favorece a auto-revelação(3). O terapeuta e os
membros do grupo tomam conhecimento de muitos fatos sobre o que
se passa com cada um, sendo que pessoas que compartilham o círculo
da própria intimidade podem até desconhecer esses acontecimentos e
mesmo não vir a saber, uma vez que o paciente não deseja revelá-los
fora do contexto psicoterápico. Os integrantes do grupo exploram o
material que eles próprios, geralmente e em condições normais, não
analisam. A interação é livre e espontânea. Os pacientes participam
verbalmente ou em silêncio, sem entraves ou censura impostos pela
autoridade exterior. Desenvolvem discussão aberta, com livre
associação de idéias e sem agenda preestabelecida. O tema
desenvolvido pelo grupo tem alguma relevância para os participantes,
suscitando pensamentos e sentimentos relacionados a experiências
do presente ou do passado.
Apesar da gama de sensações e sentimentos - ansiedade,
desconforto, constrangimento e pressão - que o participante possa
sentir em alguma medida, ele deve sentir-se à vontade para comunicar
seus pensamentos, mesmo parecendo que não tenham qualquer relação
com o que está sendo discutido, assim como suas preocupações e
desapontamentos com o que está se passando naquele momento. Na
vida do grupo, todo e qualquer comportamento e evento têm um
significado que deve ser avaliado. O recurso que o terapeuta dispõe
para facilitar essa tarefa do grupo é a própria associação livre, sem
censura das idéias verbalizadas ou das atitudes dos integrantes, bem
como da maneira como emergem na malha interativa do processo
grupal. Dessa forma, o paciente estará envolvido ativamente na terapia,
assumindo responsabilidade com o grupo e desenvolvendo
compreensão tanto consigo quanto com os outros.
Assim que o grupo amadurece, os participantes tornam-se
mais envolvidos e comprometidos entre si, compartilham idéias, trocam
suas experiências e oferecem espontaneamente apoio, esclarecimentos
e interpretações uns aos outros. Os assuntos do grupo são tratados de
forma confidencial e, à medida que os participantes desenvolvem
respeito e confiança mútua, começam a assumir riscos nos temas
examinados e na interação estabelecida. Decisões de grande
importância devem ser discutidas no grupo. Assim que o paciente revela
dados pessoais, ele se torna membro integrante do grupo. Neste
momento, ele adquiriu seu “bilhete de entrada”(6).
Encontramos participantes que iniciam a terapia de forma
cautelosa, permanecendo em silêncio em um primeiro momento, mas
acompanhando atentamente; em uma segunda fase, tecem seus
comentários a respeito do que está sendo discutido, porém evitando
entrar em sua intimidade, para que posteriormente, passem a se revelar.

OS PARTICIPANTES E A PSICOTERAPIA DE GRUPO

Aspecto importante e indispensável na psicoterapia de grupo
é a igualdade de status dos membros. Todos são tratados do mesmo
modo, com respeito e dignidade, independentemente da idade, do
nível socioeconômico e cultural, talento e capacidade individual. Deve-se
considerar que cada participante é uma fonte rica de experiência
tanto para si próprio quanto para os demais.
Muitos pacientes, ao serem convidados a participar da
psicoterapia de grupo, manifestam-se da seguinte forma: “Sou muito
tímido; o que irei fazer num grupo se não sei me expressar?” Outros,
assim revelam seus receios: “Como posso revelar a estranhos meus
problemas... meu relacionamento extraconjugal?” Ou ainda: “Como
irei dizer que sou homossexual?” (...) “Como posso confiar em pessoas
que não conheço?” (...) “Poderá um grupo de neuróticos como eu auxiliar a resolver meus problemas?”
Já outros ficam logo entusiasmados com o convite
e expressam seu desejo de se agregar ao grupo: “Será muito bom!”
Ou ainda: “É o tipo de experiência que irá me acrescentar muito” (...)
“Será um desafio para mim”.
De acordo com a forma de se expressar,presume-se o papel que o participante irá assumir no grupo(7).
Para participar da terapia de grupo, assim como de outras
modalidades de psicoterapia, é necessário que os pacientes tenham
alguma disciplina e aceitem as regras propostas. Concomitantemente,
uma condição imprescindível é que sintam motivação, e que a
psicoterapia de grupo seja uma das atividades consideradas prioritárias
na sua vida. Essa condição reflete o desejo de se envolver no processo
terapêutico e exerce importante papel no resultado a ser obtido(3).

OS PARTICIPANTES E O PROCESSO PSICOTERÁPICO

O paciente inicia a terapia com sua bagagem familiar e social,
seu sistema de crenças, valores e seu acervo de atitudes e distorções
que ocasionaram as dificuldades ou comportamentos inapropriados. É
compreensível que, nas primeiras sessões, os pacientes não
compreendam como a terapia irá promover mudanças. Acreditam que
essa tarefa seja da responsabilidade do terapeuta que irá descobrir as
causas dos sintomas ou encontrar as soluções para suas dificuldades
ou problemas, imaginando que os outros membros do grupo tenham
papel secundário. Além disso, não têm noção de como devam atuar
para obter melhor aproveitamento. Mostram-se hesitantes e, de maneira
típica, mantêm o olhar fixo no terapeuta, como se esperassem um
indício ou orientação de como proceder. Questionam-se sobre qual
informação seria relevante: eventos do passado ou simplesmente os
relacionados àquele momento? Freqüentemente se indagam: “Devo
revelar meus segredos?”. Alguns consideram: “Não estou preparado
para enfrentar este assunto”. Em decorrência da pressão de conhecer
os demais e diante da ansiedade de como proceder, geralmente
descrevem fatos de sua vida e as razões pelas quais aceitaram fazer
psicoterapia.
Muitos fantasiam o terapeuta como uma figura onipotente e
onisciente que irá proporcionar toda ajuda, apoio, cuidado físico e
emocional, de forma ilimitada, segura e constante. Transferem, assim,
para outrem suas responsabilidades e dificuldades, e procuram as
soluções no terapeuta ao invés de examinarem sua própria pessoa.
Esta atitude ocorre particularmente nos pacientes que não tiveram
experiência prévia de psicoterapia e tendem a ver seus problemas
como decorrentes do ambiente(8). Gradualmente, no curso da terapia,
passam a entender que são eles próprios que irão assumir papel ativo
na sua própria psicoterapia(9), explorando, analisando, compreendendo
e tentando novas soluções para os problemas.
Deve-se ressaltar, também, que as decisões a serem tomadas
pela própria pessoa serão respeitadas, já que dependem da
responsabilidade e autonomia de cada um, tendo em vista seus
conceitos, sua visão de mundo e suas concepções sobre a vida. Nesse
sentido, o cliente é o agente principal da própria mudança(5). É muito
mais o paciente e não o terapeuta que implementa o processo de
mudança. O cliente é a figura central do processo terapêutico(9-10).
Aliás, com base em estudos científicos, considera-se que o paciente é
responsável por cerca de 70% do resultado da terapia e que sua
habilidade em empregar tudo aquilo que lhe seja oferecido ultrapassa
o que deve existir em termos de técnicas ou abordagens(11).
O processo de transformação pessoal é complexo e
determinado por diversos fatores. Para compreendê-lo conceitualmente,
é preciso esquadrinhar suas raízes motivacionais. Para mudar, o
paciente necessita estar predisposto. Essa intenção deve ter origem na
própria pessoa e não nos familiares. Estes, muitas vezes, nutrem uma
expectativa do que precisa ser mudado. Mas a natureza da mudança
pode diferir entre as duas partes e é o próprio paciente quem irá
estabelecê-la. Por outro lado, necessitará entender e se conscientizar
de que o que deve ser alterado não será nas pessoas com quem
convive, mas interiormente, e aceitar a responsabilidade pelas suas
dificuldades. Não é o que está ao seu redor que precisa ser mudado,
mas a sua própria pessoa e sua maneira de se relacionar consigo
mesmo e com o mundo ao seu redor. Enquanto projetar seus problemas
nos outros, dificilmente conseguirá melhorar. Com os demais
participantes irá aprender que pode haver resistência à mudança, até
mesmo naqueles que se mostram bem intencionados e motivados.
Convém considerar, também, que qualquer mudança que o
paciente possa apresentar, seja numa situação em particular ou em
sua vida em geral, inevitavelmente poderá repercutir, a favor ou contra,
em seu meio ambiente, e encontrar incentivo ou resistência, em maior
ou menor grau, nas pessoas com quem convive.
Tarefa importante dos pacientes em uma primeira fase da
psicoterapia de grupo é desenvolver confiança tanto em si próprios
quanto nos colegas. Nessa etapa podem encontrar-se desencorajados,
dependentes e emocionalmente instáveis, ou se considerarem
inadequados, sem valor e indignos de merecerem atenção. Alguns
analisam cuidadosamente os riscos a que estão sujeitos com a autoexposição,
para não se sentirem melindrados ou agredidos como no
passado. Se as condições são seguras, se encontram coerência nas
idéias e nos comportamentos, consideração, respeito, sinceridade e
empatia da parte dos integrantes do grupo, passam, de forma
progressiva, a revelar suas intimidades e seus sentimentos positivos,
negativos ou ambivalentes. Sentindo-se mais confiantes,
automaticamente aumentam a auto-estima e participam também das
interações, de forma menos dependente dos outros quanto aos valores
e padrões, com mais abertura e flexibilidade para vivenciar as diversas
situações que se deparam, apresentando e manifestando suas
características pessoais. As condições acima descritas são componentes
básicos do processo psicoterápico(10,12).
Ao iniciar a psicoterapia de grupo, o paciente confronta-se
não só com situações de sua vida real, mas também com as dos outros
membros. Dependendo da composição, o grupo pode ter um
participante que tenha um significado especial ou particular para outro
membro, que lhe traga recordações de experiências passadas ou de
situações atuais ou que evoque seus conflitos. Nesse caso, o paciente
pode passar a assumir certos riscos que normalmente evitaria: tentar
novos comportamentos, compartilhar experiências, vivenciar
sentimentos que normalmente procura manter à distância.
No grupo, comparações sociais constituem uma das formas
para a obtenção de benefício pessoal. O paciente, ao fazer sua autoavaliação,
tem oportunidade de observar seu comportamento, opiniões,
sentimentos, estado emocional e seus problemas em relação aos
demais, podendo rever sua identidade. Pode notar que as situações
que o deixam irritado, irado ou aborrecido, não provocam a mesma
reação em outros participantes; sentimentos que jamais ousou
expressar são prontamente manifestados pelo colega de grupo; a
idéia que fazia de si próprio e do mundo não é necessariamente como
o outro pondera; sentimentos e experiências que considerava peculiar
a sua pessoa são comuns em relação aos demais (reação do espelho).
Independentemente do fato de essas diferenças terem tido origem na
infância, em algum outro momento da vida ou, até mesmo, que o cliente
não possua plena consciência de como surgiram, essas comparações
podem contribuir para que tenha percepção desses aspectos e faça
correção de distorções quanto a sua pessoa (eu sou diferente dos
outros) que, levadas a extremo, podem atingir um nível de gravidade
com sensações psicopatológicas. Comparar-se com os demais pode
gerar maior conhecimento e compreensão de seus próprios sentimentos,
aumento da aceitação de sua própria pessoa, bem como o
estabelecimento de uma nova visão acerca dos demais, de si próprio
e do seu mundo. No decorrer desse processo há a possibilidade de
reajustar seus conceitos e se libertar do modo distorcido de se relacionar
com as pessoas, reduzindo, conseqüentemente, eventual isolamento
social.
Em relação à denominação reação do espelho, ressalta-se
que o papel do terapeuta na psicoterapia individual tem sido
freqüentemente comparado a um espelho que reflete as características
do paciente, tornando-as mais visíveis aos olhos do mesmo. Mas, por
outro lado, na psicoterapia de grupo, ao se ver diante de seus colegas,
é como se o paciente estivesse em uma galeria de espelhos(13).
O grupo permite ao paciente observar como os demais se
comportam e o resultado decorrente dessa determinada ação. Mesmo
na condição de observador, estando em silêncio, olhando e escutando
com atenção, o cliente pode obter benefício da experiência da
psicoterapia de grupo, sentindo-se aceito à medida que determinada
situação em andamento tenha um significado particular (efeito
espectador). A oportunidade de observar pode gerar aprendizado
interior e estimular o paciente a testar novo comportamento.
Embora a posição de espectador possa auxiliar na mudança,
a participação ativa e o envolvimento na terapia são variáveis
importantes e fundamentais no resultado. Os pacientes fazem
progressos, principalmente, quando expressam em palavras suas
experiências e seus sentimentos íntimos(14). Nesse sentido, foi observado
que pacientes que cooperam e são mais abertos ao diálogo, na busca
de maior participação, podem, mais prontamente, absorver as
experiências geradas pelas operações terapêuticas e, dessa forma,
se beneficiar com maior probabilidade da psicoterapia(15).
O participante que permanece em silêncio não oferece
contribuição aos demais, deixa de revelar suas experiências, de
expressar seus sentimentos, receios, preocupações e idéias. É possível
que omita informações, particularmente as negativas, por questões
emocionais, cognitivas ou comportamentais(16). A esse respeito, tomando
por base estudos realizados no âmbito da psicoterapia individual(17-20),
os seguintes exemplos são considerados: 1. sentir-se assustado ou
ansioso na sessão; 2. não conseguir expressar os sentimentos de
forma articulada ou organizada; 3. receio de expressar sentimentos
negativos, criticar, desafiar, ofender o terapeuta ou os colegas e,
conseqüentemente, colocar em risco o relacionamento com o grupo
como um todo e então ser rejeitado ou discriminado; 4. sentir-se diferente
do terapeuta ou dos colegas; 5. considerar que o terapeuta e/ou o
grupo não conseguem compreendê-lo ou que seriam incapazes de
ajudá-lo em determinado problema; 6. considerar, por percepção
realista ou não, que seus valores pessoais são muito diferentes dos
demais; 7. sentir-se inseguro ou envergonhado sobre algum aspecto
pessoal ou de sua história: abuso sexual na infância, problemas ou
segredos sexuais, uso de droga e/ou álcool, sofrimento/doença mental,
insucesso em determinada situação; 8. supor que o terapeuta ou os
colegas não suportariam o que teria a revelar, com possibilidade de
causar impressão desfavorável sobre sua pessoa; 9. não se sentir
capaz e preparado para lidar com o que teria a revelar; 10. receio de
que a revelação de determinado acontecimento viesse a indicar que
está fazendo pouco progresso, podendo com isso desagradar e
decepcionar as expectativas do terapeuta e dos colegas; 11. considerar
que os colegas não se interessariam pelo seu problema ou que
determinado assunto seria inapropriado; 12. alienação interpessoal;
13. dificuldade no relacionamento interpessoal; 14. não se sentir
motivado em revelar o segredo; 16. sentir-se leal a outra pessoa e não
desejar envolvê-la.
Não se pode deixar de considerar o quanto possa ser
desconfortável, embaraçoso e, até mesmo, doloroso revelar dados
íntimos. Estudos indicam que cerca de 50% dos clientes em psicoterapia
individual guardam segredos dos terapeutas(17,19). Deve-se considerar
a necessidade de respeitar os limites de cada um. O cliente deverá se
resguardar até o momento em que se sente preparado para revelar
segredos relativos aos seus aspectos que considera negativos e ser
capaz de lidar com o impacto que eventualmente possa causar, por
exemplo, desaprovação, rejeição, humilhação ou isolamento por parte
dos colegas de grupo. A autenticidade e a revelação podem ser
contraproducentes e ocasionar conseqüências negativas(21). A empatia
do terapeuta e dos participantes do grupo, a coesão do grupo, assim
como a aceitação e o respeito são fundamentais nesse processo. A
aceitação encerra receptividade e interesse genuíno por aquilo que
está sendo colocado, e valoriza a contribuição, sem rejeição e
julgamento, independentemente do conteúdo expressado. Isto, porém,
não quer dizer que se esteja de acordo com o conteúdo do que foi dito.
Como resultado, o paciente gradualmente se sente seguro para explorar,
enfrentar e refletir sobre seus aspectos íntimos que até então eram
ameaçadores ou muito vergonhosos.
À medida que o cliente consegue deixar emergir
gradualmente seus sentimentos profundos, torna-se necessário que o
terapeuta e os participantes do grupo acompanhem essa experiência
sem indignação, pois esse processo oferece alívio e conforto ao
paciente, por se sentir compreendido diante de suas dificuldades e
emoções dolorosas. A mudança e o crescimento tornam-se possíveis
quando a pessoa consegue se aceitar como realmente é. Ao mesmo
tempo, a ausência de julgamento externo estimula o cliente a desenvolver
maior independência e responsabilidade, não sendo o que os outros
pensam ou esperam, mas alicerçando-se na própria experiência vivida
como a base principal para escolhas e decisões. Convém destacar,
também, que a empatia é considerada um ingrediente ativo de mudança
que facilita o processo cognitivo (compreender o significado e
reorganizar conceitos, a visão de si próprio, das pessoas e do mundo)
e o ajustamento emocional do cliente(22). Além disso, pesquisas indicam
associação positiva entre empatia e resultado, sendo considerada
componente básico e relevante nas psicoterapias(23).
Da mesma forma que se passa na sessão individual(17), no
grupo o paciente pode deixar de compartilhar seus pensamentos e
sentimentos decorrentes de eventos que se sucedem no transcorrer
da sessão: o que foi narrado por um colega, o comportamento ou
reação de outro, assim como a intervenção do terapeuta.
Aparentemente se mostra cooperador, atencioso e cortês, mas,
interiormente, está se questionando e até mesmo vivenciando
ressentimentos em relação ao terapeuta ou a um dos colegas; sente-se
relutante em revelar suas reações negativas que poderão até ferir a
outra pessoa, considera que não é lugar para desafios ou que é
infantilidade expressar críticas.
O paciente que oculta dados significantes e deixa de
expressar as emoções vivenciadas no decorrer das sessões está
fadado a tornar-se menos envolvido no processo psicoterápico, a
obter pouca satisfação e a não se beneficiar da experiência que se
propõe(16,24). Com atuação restrita fica privado de feedback e assim,
não se dá oportunidade de avaliar seu comportamento e emoções.
Perde ocasião favorável de esclarecimento de seus sentimentos que
pode trazer insights significativos e mudança psicológica em potencial.
Portanto, muitas circunstâncias favoráveis para ganho pessoal são
perdidas, correndo-se o risco, ainda, de ficar mergulhado em fantasias
sobre o que aconteceria com aquilo que gostaria de ter contado, mas
não foi capaz. Todo comportamento, verbal ou não-verbal, tem seu
efeito. A conseqüência ocorre na forma de resposta: direta e explícita,
ou indireta e encoberta. Escutando o que as pessoas têm a lhe dizer ou
observando como elas reagem frente ao que revelou, o paciente pode
aprender algo sobre o impacto de sua pessoa nos outros, como foi
recebido e percebido pelos demais.
A respeito do feedback, nem sempre fica muito claro como
fornecê-lo. É considerado uma resposta, verbal ou não-verbal, direta
ou indireta, que pode ser utilizada como uma informação a ser tomada
para orientar uma ação futura(25). O feedback que mais se aproveita é
aquele em que um participante responde: “quando você disse ou fez
aquilo, eu senti...” Corresponde a uma informação sincera e não a
uma mera opinião ou especulação; encerra um componente emocional
e, ao mesmo tempo, uma revelação pessoal. Nesta linha de
pensamento, chama-se a atenção para o fato de que o feedback “eu
gosto muito de você” tem muito mais impacto e valor do que “você é
uma pessoa muito agradável”. A observação de determinado membro
do grupo: “eu estou tendo dificuldade para compreender o que você
está dizendo” é preferível a: “o que você está descrevendo não está
muito claro”(26). De fato, o primeiro enunciado informa ao outro como
ele está sendo percebido e coloca a responsabilidade para avaliação
e mudança em sua pessoa. Ressalta-se, também, a importância de
fazer as observações empregando o pronome pessoal na primeira
pessoa do singular: “eu”(27). Essa condição revela o interior do
participante, aponta para sua subjetividade e instiga a sua
responsabilidade, além de convidar os demais a se tornarem mais
abertos e menos defensivos ao receber a comunicação. Evita que as
colocações sejam impessoais, por exemplo, “os homens”, “as mulheres”,
“as pessoas”, acham ou pensam desta ou daquela forma.
O feedback torna-se, também, mais útil quando apresenta
significado claro, compreensível e correlacionado com o assunto, e
quando é transmitido de forma simples, sem jargão técnico, sem juízo
crítico e sem conteúdo pejorativo. Dessa forma, o participante do grupo
poderá avaliar livremente as informações recebidas, fazer as
correlações necessárias e assumir a responsabilidade em suas
reflexões. O feedback pode ser oferecido de um participante para
outro, mas para ser aceito é preciso que seja dado no momento certo
e que encontre o participante aberto e pronto para recebê-lo.
No grupo, à medida que se sente mais seguro, o paciente
pode tentar esboçar novo comportamento, expressar sentimentos que
não faziam parte de seu repertório e observar o resultado dessa nova
experiência em si próprio e nos outros. Nisso consiste, em linhas gerais,
o conceito de experiência emocional corretiva(28).
Sob determinadas condições do grupo (por exemplo,
presença de um clima de confiança e segurança) o participante pode
se comportar ou se expressar de uma forma que habitualmente evitaria
devido à censura que impunha a si próprio. Ao tomar conhecimento de
que os outros colegas admitem também sentimentos e impulsos similares,
é possível que possa sentir alívio ou redução da sensação de culpa
que acarretava, inclusive, inibição em muitos aspectos de sua vida.
Quando o feedback demonstra que as conseqüências temidas não
ocorrem, ele realiza uma experiência emocional corretiva. O paciente
corrige idéias que, durante muito tempo, supunha que fossem
verdadeiras, como a de que suas ações trariam conseqüências
catastróficas. Por outro lado, se não testa seus temores, a pessoa
permanece reprimida e inibida em seu potencial de adaptação à
realidade.
Quando um participante se revela e acontece de não se
sentir compreendido pelos colegas, poderá mesmo assim obter benefício,
desde que se proponha a reavaliar suas idéias, emoções e forma de
apresentá-las, ocorrendo efeito elucidativo para sua pessoa.
Naturalmente esse processo se torna mais viável na proporção da
intensidade da coesão do grupo.
Muitos dos benefícios obtidos a partir da comparação social,
do feedback e da avaliação das preocupações e sentimentos ocorrem
independentemente do auxílio direto do terapeuta, embora este possa,
muitas vezes, intervir e assegurar que o paciente esteja dando a devida
atenção e beneficiando de uma situação particular e relevante.
A tentativa inicial dos participantes é desenvolver um padrão
de relacionamento dependente com o terapeuta. Embora possa ocorrer,
é muito importante que gradualmente progridam e adquiram autonomia.
É necessário que o paciente seja capaz e queira assumir a
responsabilidade por sua participação no grupo. Precisa ter a noção
de que é agente de seu próprio destino e não meramente vítima de
fatores biológicos, familiares ou sociais(5). Cada um é responsável pela
maneira que interpreta e responde aos acontecimentos. Para obter
benefício e progredir, o participante necessita estar aberto à interação
com os demais membros do grupo e às modificações necessárias em
sua maneira de ver a si próprio e o mundo. O participante deve usar
sua capacidade de avaliação e decidir o que de importante deve ser
mantido e o que necessita ser mudado ou abandonado, para corrigir
suas deficiências e poder enfrentar, de forma apropriada, as
circunstâncias da vida(29).
A prioridade dos assuntos a serem discutidos é da
competência dos integrantes do grupo, sendo, portanto, responsáveis
pelos temas que escolhem. Entretanto, muitas vezes, determinados
pacientes, sem a devida noção da atuação na terapia, desviam a
atenção de seus aspectos intra e interpessoais contando histórias com
conteúdos e preocupações irrelevantes aos objetivos da psicoterapia.
Necessitam de intervenção de caráter educativo, de preferência dos
próprios colegas, para direcionamento e compreensão do que devem
apresentar e que seja benéfico a todos e a si próprios. Em contrapartida,
há situações em que os participantes em conjunto se engajam numa
conversa trivial, como se evitassem indagações e análise de fatos mais
relevantes e, conseqüentemente, conflito ou disputa sobre as respostas.
A esse respeito, Bion teceu o seguinte comentário: qualquer pessoa
não acostumada com psicoterapia de grupo ficaria surpresa ao observar
um grupo, composto por participantes supostamente inteligentes,
desenvolver discussão tão limitada e agindo como se estivessem se
satisfazendo emocionalmente. Denominou tal comportamento de suposto
básico de “esquiva e luta”, ou seja, para se defenderem da ansiedade
persecutória os membros do grupo se engajam na tarefa de lutar ou
escapar do perigo. Para ganhar segurança e preservar o grupo, os
participantes sacrificam as necessidades individuais e a tarefa de autoavaliação(
30).
Atitude não produtiva e não recomendável aos participantes
é se engajarem numa tarefa em vão, tentando auxiliar o colega que se
encontra em um impasse e impotente diante de um problema,
estimulando-o e propondo possíveis alternativas ou soluções. Cada
um deve realizar seu próprio trabalho psicoterápico, inclusive avaliar
suas reações emocionais decorrentes dos acontecimentos no grupo.
No transcorrer das sessões, o paciente tem oportunidade de
observar a melhora conquistada por seus colegas que obtiveram
autoconhecimento, fruto do próprio esforço, em um grau que lhes
possibilitou assumirem atitudes positivas à luz da nova orientação que
desenvolveram. Por outro lado, há momentos em que um deles regride
e piora. Nesse caso, aprende que tal fato pode ocorrer, que não é
motivo de desmoralização e tampouco de insucesso. Os clientes
necessitam saber que não estão isentos de futuros problemas. A
psicoterapia não confere imunidade a ninguém contra a possibilidade
de emergência de uma nova crise, não previne necessariamente uma
recaída diante de uma nova exposição a situações estressoras, nem
oferece garantias de que no futuro o indivíduo sempre responderá de
maneira adaptativa às adversidades e infortúnios.
No grupo, o paciente não se apresenta somente por aquilo
que descreve e revela sobre sua pessoa e sua vida, mas também pela
forma de se vestir, postura, comportamento não-verbal, local onde se
senta (por exemplo, em um canto fora do círculo do grupo), se chega
atrasado, como entra na sala (com respeito ou fazendo barulho),
maneira de interagir, tom de voz (confiante, imperioso, insinuante,
intimidado, etc.), o tema que escolhe e prefere discutir, etc.
No decorrer da psicoterapia e tendo já desenvolvido amadurecimento, o paciente reconhece o terapeuta como autoridade
que, em um primeiro momento, foi fonte de esperança e, durante o
processo terapêutico, elemento importante para seu progresso, porém
não o considerando mais dotado de poderes mágicos como o concebia
inicialmente. Passa a compreender, também, que todo exame interior é
para seu próprio benefício e não para informar o terapeuta, e que a
intervenção de mudança reside em sua pessoa, sendo responsável
pelo conteúdo, aplicação e resultado da psicoterapia (princípio do livrearbítrio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ser humano desenvolve-se e existe através da interação
com os outros. Nesse sentido, os pacientes descobrem na terapia de
grupo a possibilidade de lançar mão do relacionamento para
desenvolvimento pessoal, crescimento e mudança(31). Pode-se aqui
incluir a criatividade e a inovação que envolvem a condição de estar
aberto à experiência e ao novo, sem receio do desconhecido, mantendo
uma atitude de espontaneidade, expressividade e flexibilidade, além
da capacidade de elaborar e integrar o oposto. Quanto à flexibilidade,
convém destacar a condição de aceitar conflitos e tensões que resultam
de polaridade, tolerar inconsistências e contradições sem fragmentar
ou enfraquecer a coesão do ego. Todas as formas de criatividade se
desenvolvem por um desencadeamento de atividades, combinando e
reestruturando experiências do passado em novos padrões que
venham a satisfazer a pessoa(32). Em relação ao crescimento e interação
interpessoal, o indivíduo tem a possibilidade de se tornar mais
espontâneo e natural, amistoso, objetivo e realista, mostrando-se menos
dependente das pessoas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido em: 3.11.2004
Aprovado em: 8.12.2004

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